O seguinte artigo foi redigido originalmente para uma edição da revista anarco-comunista chilena Hombre y Sociedad especial para os 30 anos do Golpe de Estado e a inauguração da ditadura de Pinochet. Esta edição, por uma série de razões, nunca apareceu e o artigo não foi utilizado, salvo como base para redigir um documento do Congresso de Unificação Anarco-Comunista no qual foi distribuído nas manifestações do mesmo (2003). O reproduzimos nesta ocasião, pois acreditamos que nunca se pode insistir o suficiente na necessidade de aprender com as dolorosas lições que nos deixa a ditadura pinochetista e o Golpe que a levou ao poder. Hoje, a 35 anos de tão fatídico acontecimento, a urgência de seguir esta discussão se mantem.
Ao final, decidimos acrescenter ao artigo uma entrevista com um dos dirigentes históricos do movimento comunitário e militante do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária), Victor Toro, publicada na época da Unidade Popular pela revista Punto Final. Acreditamos que há elementos de reflexão interessantes que mostram os processos subterraneos que se incubavam na experiência reformista e que marcavam prováveis pontos de fuga desde o movimento revolucionário.
(Nota do autor do texto).
Os Libertários e as lições do golpe militar no Chile.
O Golpe militar no Chile tem sido processo de grande significado, que transformou o rosto do país e a subjetividade de nosso povo; que incorporou profundas reformas no sistema de exploração da classe trabalhadora e que colocou o aparato produtivo de cabeça, modernizando-o, em um sentido capitalista, para satisfazer melhor as necessidades de ganância da parasita classe patronal. Por isso, se faz necessário que os revolucionários sejam capazes de extrair as necessárias lições deste doloroso processo, com fins de não voltar a cometer os mesmos erros que permitiram que tal processo sucedera como sucedeu, e que nos sirva para pensar, ao futuro, um projeto social transformador, que resolva em favor do povo o conjunto de profundas contradições que hoje dividem nossa sociedade.
Hoje em dia é necessário conhecer em profundidade os processos que se desenvolveram com o Golpe e o que significam para a elaboração de um projeto libertário. Hoje, que o governo através de todos os meios a sua disposição, fala de reconciliação, discurso o qual a direita faz coro, temos de ter muito claro o que ele significa. Significa somente sua vontade de borrar a memória histórica do duro impacto que se viu submetida a classe trabalhadora de nosso país no transito do capitalismo neoliberal. Significa, ao menos, o desejo de parte da burguesia de reconciliar-se com SUA PRÓPRIA CONSCIÊNCIA e limpar assim as manchas de sangue popular que possui. Mas em nenhum caso significa um gesto de querer abandonar o modelo que tantos benefícios que lhes tem produzido, nem podemos esperar que a burguesia, tome a iniciativa, pois tal coisa, seria um ato suicida de sua parte. Então, o discurso da reconciliação é, por força dos feitos, um discurso absolutamente alheio ao povo e seus interesses. Falar de reconciliação no Chile de hoje, ainda que se insista enquanto discurso, disfarçar de “esquerda”, não é mais que claudicar frente a hegemonia empresarial e burguesa. A reconciliação não nos interessa, afinal de contas, o que há para reconciliar? É possível reconciliar os interesses de classes antagônicas? É possível reconciliar os interesses de quem quer igualdade e liberdade, com os que tem imposto ditaduras e interessados somente em sua ganância, ainda que isto acarrete à miséria generaliza? Não, sabemos que não é possível.
Tão grave quanto isto, o discurso da reconciliação não significa somente um abrandamento para a transição ao neoliberalismo, manchando de sangue o que ficou no caminho, senão de um modo ou de outro, implica assumir os “erros” de ambas as partes; querem nos fazer crer que nosso erro foi pedir demais, ter organizado e lutado muito. Isso de lutar, isso de organizar-se, dizem, há que se deixar no passado. Ainda que a patronal nos pisoteie todos os dias. Porque no fundo, este discurso reconciliador, implica deixar para trás nossa memória de séculos de luta e organização. Isso é o que precisamente hoje queremos resgatar. Hoje se deve ter memória e um rol de primordial importância dos revolucionários desta época, é manter viva a memória de luta dos explorados. Mas nos distanciamos daqueles que acreditam que a memória serve somente para recordar aos mortos (o que, sem dúvida, se deve fazer) ou por ter uma visão romântica de um passado que já se foi e que provavelmente não voltará. Nossa memória deve servir como uma ferramenta fortalecedora das lutas no presente. Nossa memória deve ser crítica e deve se escorar nas experiências passadas, seus erros e seus êxitos, para assim transformar a memória em lições úteis para nossa luta cotidiana.
Neste breve artigo, em atenção ao tema que tratamos de abordar, só iremos tratar das lições que alguns libertários acreditam que sejam necessárias extrair do processo do Golpe e da ditadura que o segue.
Os anarquistas, pese o fato de ser uma força política que ressurge com maior força nos anos noventa, estão pendentes com uma análise série e aprofundada nas experiências políticas e sociais dos últimos quarenta anos, que de uma ou outra maneira, tem desembocado diretamente na configuração do cenário atual, no qual o anarquismo se desenvolveu. A compreensão correta destes processos servirá para compreender claramente o porque de nosso surgimento como um fenômeno que aparece com força nos anos noventa. Servirá como desenvolvimento de um projeto libertário que se inscreva em nossa história, que tome um rumo definido, que tenha enraizamento nas tendências de luta presentes, explicita ou implicitamente, no seio de nosso povo, de nossa classe. Se bem sabemos que estamos em dívida com esta tarefa, este não será o momento para realiza-la. Nos bastará esboçar, tão somente esboçar, algumas lições que o Golpe militar e o processo aberto no dia 11 de Setembro de 1973 tem evidenciado a nossos olhos e que marcam nossas concepções políticas mais profundas.
O modelo capitalista não serve para uma transformação verdadeiramente revolucionária.
Ainda que o processo da Unidade Popular e a concepção de construção do socialismo que impregnou o trabalho dos distintos partidos de esquerda durante décadas, estão profundamente atolados na tradição legalista, reformista, de respeito a institucionalidade burguesa e que se assentava na crença cega de que a transição ao socialismo se produziria junto a acumulação mecânica de um certo numero de reformas, nos negamos a reduzir todo este processo ao Governo de Allende e a “via pacífica ao socialismo”, negando processos que ocorreram no interior dos explorados que escapavam a esta lógica, ainda que estivessem reunidos com ela. Acreditamos que a ideia do Poder Popular, tão em voga nos anos 60 e em começo dos 70, é fiel reflexo da persistência de uma tradição libertária subterrânea no seio da esquerda. No entanto, deve recordar-se, que o termo “Poder Popular” recebia distintas interpretações: enquanto para os partidários mais conservadores da Unidade Popular, Poder Popular queria dizer unicamente bases de apoio do governo, pois não concebiam um processo por fora do Governo, nem contra o Estado (talvez porque não conheciam um movimento que fora além das meras reformas), para setores operários e populares de base, e para a cultura mirista, Poder Popular queria dizer a organização direta do povo, em oposição ao Estado e o Poder Burguês. Qual era o sentido que se dava, se tático ou estratégico, também é outra discussão. Muitos setores que assim compreendiam o Poder Popular, o atribuíam um rol único na luta contra o Estado, mas acreditavam que este deveria assumir posição subordinada quando o partido de vanguarda conquistasse o poder. Mas para setores de base do mirismo, e ligados a experiências de construção popular em Comandos Comunales e Cordões Industriais, estes deviam ser as mesmas bases da futura sociedade. Certamente, a falta de uma alternativa anarco-comunista clara, não ajudou que esta última interpretação, que o mesmo povo se dava na luta de forma intuitiva, tivesse desenvolvido, enriquecida pelo acervo teórico e prático das lutas da trajetória do Anarquismo (ver entrevista com o dirigente mirista Victor Toro mais abaixo).
Sem embargo, pese o fracasso da experiência reformista da UP, e ao verse truncado o desenvolvimento de um movimento revolucionário de base pelo Golpe Gorila de Pinochet em 1973, a experiência que levantou o próprio povo, em ausência de um referente anarco-comunista, mas que expressava práticas e fórmulas libertárias com maior ou menor grau de clareza, deve servir para enriquecer nosso próprio acervo teórico prático, pois o anarquismo, antes de tudo, é a experiência acumulado do povo em luta. E muitas vezes, os anarquistas crioulos, se esquecem que nossa experiência, seja qual seja seu signo, também vale, deve aportar-nos, e nos entrega valiosas lições, em seus acertos, desacertos, fracassos e com suas pequenas vitórias. O horizonte da esquerda revolucionária do Poder Popular, o qual, ainda não podemos manejar livre de críticas, é, porém, a melhor lição que destes anos podemos extrair.
Também devemos ver reforçada nossa convicção da futilidade de buscar a transformação dentro da legalidade vigente, ou ocupando o aparato estatal; a construção do novo mundo, efetivamente, deve ser feita com mecanismos novos, mecanismos dos quais o povo do Chile buscou e forjou bravamente em meio a ilusões reformistas. Certo é que os anarquistas em momentos do Golpe não eram mais que um punhado: sem embargo, a dura lição que significou o Golpe de Estado, é tão nossa como dos atores políticos diretamente envolvidos nele na medida que expressa tensões e problemas do conjunto de nossa classe que sobrepassam as distintas tendas políticas; cada qual a interpretará a sua maneira, mas é importante faze-lo de forma não dogmática e entendendo claramente o que esta significa, ao desfazer toda sombra de ilusão sobre uma possível transição ao “socialismo” usando como molde o aparato capitalista, evitando o enfrentamento inevitável de classes.
A UP desde seu início estava demasiado comprometida com a manutenção da institucionalidade vigente como para pressionar as mudanças necessárias ao povo que iam muito além do que esta institucionalidade permitia. O ritmo da Reforma Agrária, da expropriação de empresas, tudo era feito de acordo com que a Constituição o permitira e não segunda as críticas condições que o momento o exigira, ou segunda a força da demanda popular o permitira. A justiças nas mãos dos Tribunais burgueses castigavam os trabalhadores e revolucionários, enquanto deixavam em liberdade a burguesia que sabotava a produção e fomentava o mercado negro, aos latifundiários assassinos de camponeses e aos “niños-bien” (terroristas) da Patria y Libertad. Antes de assumir o governo, a UP havia aceitado um documento preparado pela Democracia Cristã titulado “Estatuto de Garantias Constitucionais”, que nenhum governo antes havia tido de aceitar. Neste documento, entre outras medidas que tendiam a eliminar qualquer possibilidade de levar as mudanças mais além se concedia implicitamente, às Forças Armadas a autonomia necessária para preparar o Golpe Militar. O Governo confiava plenamente nestas FFAA, à margem de qualquer sentido histórico e da experiência deste país, ficando o problema da defesa das medidas conquistadas pelo povo amparado por uma estrutura alheia a classe explorada. Assim, desarmados os trabalhadores e adoutrinados na “constitucionalidade das FFAA”, é compreensível as dificuldades que enfrentara a resistência à ditadura e o muito que tardou em organizar-se. Por último, neste sentido, a burocracia estatal significou um importante freio para a iniciativa das massas e para sua criatividade revolucionária.
Enquanto essa burocracia estava comprometida com o sistema burguês, as massas avançavam mais além, mas os compromissos assumidos por seus partidos dificultavam seu avanço e amadurecimento autônomos. Todas as respostas eram esperadas por parte dos representantes do Estado, e quem se atravesse a organizar o povo desde sua base era acusado de provocador. Mas era o desenvolvimento destes espaços de base os únicos que podiam consolidar um avanço verdadeiramente revolucionário, à margem de toda institucionalidade do inimigo de classe, a margem do Estado e em oposição a este. A luta por construir este Poder Popular, era, no fundo uma luta instintiva contra um Estado que mostrava sua natureza mais além do governante de turno e que se desfazia em promessas de moderação e controle sobre os interesses da classe trabalhadora.
Mas a concepção de produzir as transformações socialistas sem cair no aparato capitalista não somente absorvia a tarefa estritamente política da esquerda, senão que sua visão do âmbito econômico e inclusive das relações sociais de produção se restringiam surpreendentemente neste ponto. Estava a concepção do passo do capitalismo ao socialismo como um processo gradual, no sentido de que um número de reformas acumuladas de forma mecânica, produziriam a transformação de um tipo de sociedade para outra. Resultava como se a diferença entre capitalismo fora uma diferença simplesmente quantitativa (cifras de desemprego, produtividade, PGB, redistribuição do ingresso, etc…) e não um problema qualitativo (transformação das relações sociais). Ou seja, não se chegava à raiz do conflito social, com o qual as transformações que houveram fortalecido a linha revolucionária (ou seja, pela mudança qualitativa), estavam postergadas sabe-se lá até quando. Uma boa crítica a estas concepções e à visão do processo emanada dela, a faz Punto Final:
“Em suma, falar de socialismo se fala de industrialização e de ingresso por pessoa; falar da “transição ao socialismo” se supõem gradual e sem conflito; a “Técnica” (com maiúscula, pois a técnica universal, neutra, desprovida de todo conteúdo ou determinação social. Com maiúscula, porque esta “Técnica” é louvação da técnica) resolve todos ou quase todos os problemas, problemas que parecem ser puramente econômicos, e a economia cresce sobre a base de exportar maior volume e produtos mais elaborados e de comprar equipamentos e tecnologia no exterior. Tudo isso é possível graças a que se estatize parte dos meios de produção e a que o aparato estatal o controla em parte de uma equipe de homens de boa vontade.”[1]
Não deixe para amanhã a linha classista que deve se realizar hoje.
O único resultado que poderia ter uma tática de construção do socialismo que se assentara na institucionalidade burguesa, era previsível; dar tempo à burguesia para armar-se e atacar, enquanto o povo, com os cantos de sereia da Constituição e da confiança nas instituições de seu inimigo de classe, se atava as mãos. A tentativa de evitar um derramamento de sangue, terminou em um dos piores massacres que recorda nossa história. E com um povo aturdido que, desorientado, não soube o que fazer durante anos, salvo agüentar a redução dos salários, o congelamento dos reajustes, o aumento do custo de vida.
Mas o movimento popular se rearmou, quase sem o General e sua companhia se dar conta, neste país onde supostamente “não se movia uma folha” sem que o ditador soubera, surpreendeu a ditadura militar com um belo dia de Maio de 1983. Neste dia, se realizou o primeiro protesto nacional, que mobilizou a centenas de milhares, milhões de pessoas em todo o país, contra o brutal regime de Pinochet. Nela se refletia o trabalho subterrâneo de todos os militantes e ativistas na clandestinidade, que se atiraram a lutar, a organizar. Novamente, as tendência libertárias apareciam espontaneamente no Povo, nas cozinhas comunitárias, em agrupações culturais juvenis, nos movimentos contra a tortura, na resistência popular (que efetivamente incluiu a alguns libertários que havia), no movimento sindical que fazia o que podia na camisa de força que significava o Código Trabalhista de 1980, em cooperativas de consumo e na prática de comprar e comer juntos… talvez não como um programa político definido, talvez não como um horizonte transformador de longo prazo, mas sim como espírito rebelde de apoio mutuo, do que tanto falara Kropotkin e os velhos acratas. Esse espírito de Apoio Mutuo que surge cada vez que o povo encontra dificuldade para se alimentar. Esse Apoio Mutuo, do qual o Anarquismo não é mais que a racionalização política. Lamentavelmente, este bom sentido popular, se restringiu ao campo da sobrevivência, e não se levantou como perspectiva revolucionária; assim, enquanto o povo lutava contra a ditadura e dava sua vida nas ruas, os politiqueiros de sempre, aqueles mesmos democrata-cristãos que haviam pedido o Golpe alguns anos atrás, mas seus novos amigos socialistas, já maduros e desvinculados de suas utopias infantis, negociavam nas costas do povo e com promessas de “alegria”, como se foram autênticos marketeros, uma transição para a “democracia”, com resquícios da ditadura, sem trocar o modelo neoliberal que foi a razão de ser do pinochetismo. Ou seja, modificaram um pouco as coisas, para que tudo seguisse igual. Nas palavras da própria Concertación: “se reconhece a validez e necessidade da abertura econômica como um pilar central para o desenvolvimento exportador como um dos motores principais do crescimento para a economia chilena.”[2]
Depois de tudo, estalinistas, milicos e burgueses se entenderam: tudo antes que o povo pudesse virar a mesa em um protesto nacional, perspectiva que não convinha nem à Ditadura, nem a sua oposição “democrática”. Este processo evidenciou novas lições para nossa classe, que devemos faze-las nossas e incorporar a nosso legado: as contradições menores (democracia e ditadura, por exemplo), jamais devem obscurecer a contradição principal que da razão de ser à luta popular (contradição Capital-Trabalho, Burguesia-Proletariado). O subordinar, ainda que seja por um momento histórico particular, de forma “transitória”, a coordenação principal a formas contraditórias secundárias, é igual a trair os objetivos revolucionários de nossa luta. Isto quer dizer, que a luta contra a “ditadura”, ao não ser compreendida como luta contra o capitalismo, estava condenada ao fracasso, desde o ponto de vista revolucionário, ao estar desnaturalizada em sua própria essência. A ditadura só teria sentido como uma estratégia do capitalismo. E não esquecemos que o capitalismo, ainda que seja exercido por formas democráticas e não por uma junta militar, é uma ditadura de CLASSE: da burguesia, do empresariado, contra os trabalhadores, o proletariado.
Da sobrevivência à vida. Da resistência à revolução.
Outra lição é que é necessário passar da aplicação de formas autogestionárias incipientes, ou de ajuda mútua (cozinhas comunitárias, etc.), do campo da pura sobrevivência, ao campo de reclamar nosso direito à vida. Já não se deve tratar somente de assegurarmos o direito de sobreviver em meio do capitalismo, assegurando-nos comida (feito que os capitalistas aceitam de boa vontade nestes momentos de crise em que o sistema é incapaz de assegurar a sobrevivência a todos os habitantes do território), senão que reclamar os meios para reproduzir e desenvolver nossa vida, os quais hoje se encontram em mãos de uma minoria, os patrões, os quais os tem obtido com a injusta exploração de gerações completas, desde séculos. Isto significa dar o salto à planejar a expropriação revolucionária da burguesia como horizonte necessário para amadurecer o movimento popular: tomarmos conta da produção e da distribuição, tirando-a das mãos burguesas e recuperando-as para o povo, e subvertendo, ao mesmo tempo, as regras que regem a produção e a distribuição – não mais ditadura de mercado, senão que colocar, antes de mais nada, nossas necessidades.
Este passo se condiz com a necessidade de passar de uma política de resistência para uma política revolucionária, em um sentido estratégico. Vale dizer que, independentemente que em um determinado momento, seja pela debilidade relativa das forças populares, ou pela razão que seja, se deve assumir uma postura defensiva, ou de resistência, este momento transitório da luta não se confunde com uma estratégia, na qual segue sendo revolucionária, tendendo a reapropriação social do Capital expropriado em mãos de uma minoria. Certo é que experiências como as cozinhas comunitárias mostram as potencialidades do povo e são absolutamente necessárias quando a fome é uma realidade. Mas se não são acompanhadas, ao menos da perspectiva de controle das terras em que se produz os alimentos, da manufatura destes alimentos, do gás que necessita para cozinhar, etc… são experiências que não so não afetam o capitalismo, senão que não produzem uma transformação real nas condições de vida dos oprimidos; só os permite seguir adiante, sem morrer de fome, com sua vida de oprimidos. O mesmo ocorre com a idéia de Controle Operário; se este se limita a supervisão das normas capitalistas de produção por parte dos trabalhadores, certamente, é uma futilidade. Mas se é tocado no princípio da propriedade privada capitalista (transpondo, por exemplo, a propriedade dos meios de produção às mãos das organizações de massa da classe trabalhadora, em lugar dos capitalistas, ou seu aparato político, o Estado), e o controle sobre a gestão passa efetivamente às mãos do povo, o que implica não somente na tomada de decisões, senão quebrar a lógica da produção capitalista e produzir segundo os interesses populares, a situação é outra. Como exemplo disto, podemos citar o caso de Brukmann na Argentina, a qual recentemente esteve com “controle operário” (desde 2000 até hoje), mas sem tocar o direito a propriedade de seus donos. Uma vez que os trabalhadores, com seu esforço e sacrifício, tiraram a empresa da falência, a patronal voltou a reclama-la como sua. Ou seja, a patronal esteve disposta a aceitar o “controle operário” enquanto este o era funcional. Uma vez que deixou de ser, o acabou de uma vez por todas. Este último exemplo fala por si próprio da necessidade de avançar não somente na consolidação de espaços próprios, “autogestionados”, senão que na necessidade que estes espaços disputem e arrebatam efetivamente o poder da classe dominante.
Diga-me com quem andas…
A quarta lição se vincula estritamente com a segunda: as alianças policlassistas, em uma sociedade que existe dominação de uma classe sobre outra, em que a patronal subordina o operário, reproduz essa mesma hierarquia e dominação social, em termos de predominância que adquirem os objetivos políticos de uma classe, por sobre os das classes subordinadas. Qualquer aliança não pode ser senão dos explorados, deixando atrás, no lixo da história, o mito de uma “burguesia nacional, progressista e liberal”, potencial aliado dos trabalhadores chilenos, já que essa mesma burguesia, essas pequenas e médias empresas que hoje tanto defendem importantes setores de uma esquerda velha e cega ante a experiência histórica, foram quem mais reclamou por um Golpe de Estado, pese a que a UP os cortejava abertamente e pretendia impulsionar seus interesses (com todas as contradições que isso apontava). Não só se contentaram em chamar o Golpe, mas participaram abertamente em sua preparação e no boicote ao Governo Allende, sendo pontuais no desabastecimento; fizeram tudo isto pese a que resultaram ser um dos principais afetados com o neoliberalismo e a abertura econômica… mas obviamente que sentiam mais ameaçados pelos trabalhadores que pelos Chicago Boys que os levaram a ruína. Ainda depois disto, a esquerda chilena e setores revolucionários, durante a resistência a ditadura nos anos oitenta, novamente fizeram uma frente “democrática” contra Pinochet, onde buscavam a aliança de todos os setores pela democracia neste país, aglutinando os trabalhadores com os empresários concertacionistas que hoje nos dominam. O resultado era esperado; a transição à democracia foi feita a gabinetes, respeitando a anistia e os negócios que armaram os partidários de Pinochet durante todos estes anos, entregando, claro, uma boa parte do botim chamado Chile aos novos mandatários que agora eram importantes empresários também… a idéia, era que nenhum burguês saísse perdendo com a transição (claro, a solidariedade de classe antes de tudo).
Não podia ser de outra forma: a aliança policlassista, ao tratar de conciliar os interesses de classes antagônicas, admite, dentro de seu programa os interesses da burguesia, os desenvolve, os impulsiona, o que sempre é em detrimento dos trabalhadores. Assim, a hierarquia social e a subordinação do proletariado se reproduz nesta aliança, se perde a independência da classe trabalhadora, com o qual esta perde sua iniciativa histórica e se entrega aos burgueses. Era fácil, então, predizer onde chegaria uma transição na qual a iniciativa recaia a patronal “liberal e democrática”. Isto, com o aval da esquerda… então, de quem é a culpa, da fera ou de quem a alimenta? Logo destas experiências catastróficas (11/09/73 e 05/10/88, o Golpe e a Transição), há quem insista na aliança policlassista, em apoiar os “pobres” burgueses que nos exploram e que tem demonstrado não ter nada de “liberal”, “democrártico”, muito menos “progressista”. Por mais que se busque experiências na história, sempre as alianças desta natureza levam ao mesmo ponto… repetimos, de quem é a culpa então?
Somente a luta nos da frutos.
Não se pode assumir o problema da violência política de forma abstrata, muito menos uma posição inflexível, em um sentido tático, a respeito de sua utilização ou não. Independente dos meios que se dedicam para impulsionar a luta em um determinado momento histórico, é vital que os revolucionários compreendam que cedo ou tarde é a própria reação a que se encarregara de por esta questão na mesa. A transição pacífica se mostrou uma farsa, na qual, tudo seguiu igual. Para se fazer transformações, é necessário negar a ordem presente das coisas, pois nela esta tudo o que nós criticamos. É necessário apontar soluções novas, partir de nossas necessidades, desejos, aspirações, o que significa negar as regras do jogo impostas pelos exploradores. A essa negação, que opera mediante a luta de massas, a patronal, que hoje se encontra no poder, inflamada resistência, pois o que esta em jogo são seus privilégios, seu domínio de classe, e todos os benefícios que obtiveram nas costas da miséria popular. Para defender seus privilégios, recorrerm a Golpes de Estado, a reação, as invasões Yanques, ao Boicote, ao Bloqueio, a todos os mecanismos, e a direita tem deixado claro, em mais de uma ocasião, que se voltar a se produzir uma situação de “ingovernabilidade” do país (leia-se: perca progressiva do poder burguês), voltaram a recorrer às Forças Armadas, ou seja, voltarão a pedir um massacre popular. Se eles são tão claros ao falar da violência contra-revolucionária, por que nós nos avergonhamos da violência revolucionária? Por que temos de ser mesurados?
Devemos rechaçar de nosso discurso e prática aquele pacifismo sentimental, que faz do tema da violência um tabu, que se opõem a Violência, com maiúsculas e destacadas no ar, que personifica na Ditadura Gorila de Pinochet à Violência metafísica e ao despojo de seu conteúdo de classe. Este discurso que, ao menos assume a violência patronal contra os trabalhadores como uma “lamentável” aberração histórica que não voltará a ocorrer, e não como o é: o último recurso dos ricos para seguir o sendo. E não se trata de uma aberração, já que a história demonstra que sempre o tem feito e não existe ninguém argumentando de forma razoável que demonstre que não voltará a ocorrer no futuro. Há que voltar a entender a violência como uma expressão mas, inevitável, da luta de classes. Aos poderosos não os derrotaremos com boas intenções: é necessário preparar-se para quando estes recorrerem à força, e poder ser capazes de opor a eles nossa própria força. Devemos ser honestos com o povo, e apontar a necessidae de dar a luta: que sem luta não se conquista nada. A UP, ao evitar a luta, ao evitar o derramamento de sangue, não tocou um fio da burguesia, mas esta massacrou os trabalhadores revolucionários ainda quando estes tinham suas mãos vazias. Logo, a transição pacífica para a democracia, deixou intactas as bases econômicas e políticas da ditadura, porque em uma negociação destas características, as duas partes põem suas condições. Para ter combinado as coisas, para que a alegria chegara, era necessário um ato de força e impor uma nova sociedade para a patronal (coisa que, evidentemente, a Concertación não iria fazer). Com a burguesia não se negocia; se combate (ainda que dentro do combate se de momentos para negociar, estes acordos nunca superam a luta de classes e assim que puder, a burguesia tratará de esquecer seus compromissos com os trabalhadores).
O caminho do Poder Popular.
Para finalizar, já diria Bakunin: destruir também é construir. A destruição do Poder Burguês deve ir mano a mano com a construção do Poder Popular. A única força capaz de fazer frente ao Golpe e de ter gerado uma alternativa revolucionária que superasse o ponto morto em que se encontrava o processo chileno atrás de três anos de governos da UP., era a alternativa apontada por organizações populares de base nascidas ao calor da luta, os Comandos Comunales, os Cordões Industriais, as JAP (Juntas de Abastecimento Popular)… mas faltou desenvolvimento histórico, faltou uma corrente revolucionária que desse uma ênfase maior nessa espécie de construção. O reformismo de esquerda foi mais capaz. É necessário ter em mente que se queremos uma revolução real, que elimine todo antagonismo de classe, que acredite nas bases para a liberdade e a igualdade genuínas, ou seja, transformações libertárias em nossa sociedade, é necessário acabar com os pilares da velha sociedade: o Estado e o Capital privado.
A nova sociedade se chega por meios novos, quais são esses meios? Os que o mesmo povo constrói em meio a luta. Essas organizações, onde não haja espaço à burguesia nem aos burocratas que se encastelam no aparato estatal, onde todos os que pertencem a um espaço popular tenha voz e capacidade de decisão (sejam seus centros de estudo, seus locais de trabalho, de moradia), são estes que devem ser soberanos nos meios que o concerne. Essa Autogestão generalizada da sociedade, em que esta passa a tomar em suas mãos seus assuntos e as riquezas geradas pelos trabalhadores desde gerações, e se desfaz da propriedade privada e do corpo de especialistas separados da atividade produtiva que é o Estado, é o que chamamos Poder Popular. Mas o Poder Popular não é algo que surge espontaneamente no 1. dia da Revolução; o Poder Popular é a construção cotidiana que fazemos onde nos encontramos, são as organizações de resistência ao capitalismo, mas que a sua vez são embriões da futura sociedade que queremos. Nela, adquirimos a experiência, para o dia de amanhã construir uma nova sociedade.
José Antonio Gutiérrez D.
11 de Septiembre del 2003
Poder Popular: União e Luta do povo.
Dando continuação, reproduzimos uma entrevista com o dirigente mirista Victor Toro, a respeito do MIR e o poder popular. Esta entrevista se encontra quase completa e foi originalmente reproduzida na revista Punto Final n. 185 de 5 de julho de 1973. A entrevista é feita devido o desenvolvimento de Comandos Comunales de Trabalhadores (CCT) em múltiplos pontos do país (Constituición, Talcahuano, Concepción, Santiago, Antofagasta, Cautín) que motivou a idéia do PS de realizar um encontro de CCT e Cordões Industriais. O MIR abriu a polêmica ao declarar que “somente uma ampla discussão na base pode garantir uma verdadeira democracia. De nada servem hoje organismos burocráticos que não representem a nada ou que so integrem aos setores mais avançados da classe. O problema é criar poder popular. O poder popular nasce da mesma base das organizações de massas” (El Rebelde n. 82). Com isso propôs iniciar uma série de reuniões comunales primeiro, que discutiram um Programa do Povo para superar as falências do programa da UP.
Acreditamos que nesta entrevista há importantes elementos para compreender alguns processos de tomada de consciência que se desenvolveram no seio do povo durante o período da UP., que não estavam necessariamente emaranhados na tática do reformismo e que expressavam essas tendências libertárias latentes no proletariado, ainda na ausência de referentes claramente libertários. Esta entrevista deve ser lida assim, como o relato de um dirigente político, de um partido cujas bases oscilavam entre uma concepção estratégica e uma concepção tática do Poder Popular. Pese aos méritos que explicitamente se reconhecem no governo da UP., e a algumas declarações estatistas, implicitamente se pode ler uma superação desta forma de conceber e levar a efeito a política, e uma independência com respeito a linha seguida por este. Neste sentido essa entrevista é uma importante mostra de como setores populares intentavam abrir uma brecha própria em meio a hegemonia do reformismo.
HyS (Hombre y Sociedad).
PF: Como se define no MIR o Poder Popular?
VT: Para definir o problema do poder popular no Chile, é fundamental caracterizar o velho Estado burguês como instrumento de dominação de classe que trata de manter uma maioria explorada, dominada por uma minoria exploradora.
O Estado mantém sua dominação baixo a forma de repressão (…) e com sua ideologia de dominação(…) O velho Estado conta com o aparato executivo, as Forças Armadas(…), a burocracia estatal, o parlamento, as prisões, a polícia e o poder judicial, todos os que cumprem distintas funções de opressão e exploração.
Frente a este Estado capitalista esta surgindo o poder popular, os Comandos Comunales de Trabalhadores, que é e deve ser absolutamente contraditório e alternativo como base de uma nova ordem em relação ao poder burguês: e não cabe nenhuma possibilidade de subordina-lo, pelo contrário, os Comandos Comunales se formam em uma luta aberta contra o aparato estatal burguês.
Em segundo lugar, concebemos o poder popular como um poder independente do governo atual (de Allende, N. De HyS), como um poder autônomo que unifica o conjunto dos setores sociais (operários, estudantes, camponeses, empregados, pequenos comerciantes) de uma determinada comuna, tomando esta como a organização celular de toda cidade ou região. Um poder popular que desenvolva uma direção revolucionária, coordenando as lutas do conjunto do povo, uma direção capaz de gestar o futuro poder local que criará as condições para a Assembléia do Povo. Este poder não pode estar separado das organizações gremiais tradicionais do povo. A CUT, por exemplo, não pode excluir-se dele, já que é a organização de primeiro escalão do proletariado e joga na atualidade um papel muito importante. As juntas de vizinhos, as federações sindicais, enfim, todas as organizações de massas e gremiais devem unir-se baixo a condução única dos Comando Comunais de Trabalhadores.
PF: Este poder popular é antagônico ao governo da UP?
VT: Temos dito mais uma vez, que o problema não pode se reduzir no choque entre o povo e o governo. Nós valoramos a existência deste governo, pois apesar de suas debilidade e inconseqüências, apesar de suas conciliações de classe, tem permitido acabar com o que chamamos de “rotina repressiva” do Estado burguês.
Com Frei ou Alessandri, a rotina, o normal, é que se respondesse aos trabalhadores com a repressão, com a violência física desatada. Nada pode dizer, em contrapartida, que isso seja o normal neste governo, apesar de algumas incursões repressivas como em Lo Hermida(…).
Valoramos o governo, sim, mas não amarramos o movimento de massas como um apêndice de sua política. Do contrário não teríamos denunciado as vacilações na Reforma Agrária, no projeto das três áreas da economia ou no problema do abastecimento. O governo muitas vezes tem atuado em forma contraditória com as massas e estas tiveram que obriga-lo a cumprir certas tarefas, sobrepassando-o em seus objetivos, em especial para ganhar mais poder dentro da sociedade.
Isto não significa -e o dizemos claramente- que o dilema seja entre poder popular e governo. Isto é um dilema falso. Nós não apontamos a oposição entre povo e governo, senão entre povo e Estado burguês. O Estado burguês não tem sido tocado, não tem sido destruído e permanece portanto como instrumento de dominação contra os trabalhadores.
A tarefa da classe operária é destruir o Estado capitalista e para isto deve desenvolver o poder popular, que progressivamente deverá enfrentar o poder dos patrões. Estes organismos do povo devem ser independentes do governo. Se o governo quer manter as lutas dos trabalhadores dentro da lei patronal haverá problemas entre os trabalhadores e o governo, mas se -pelo contrário- o governo se apóia nas lutas do povo, se encontrará uma importante unidade, onde o instrumento governo poderá servir como alavanca de apoio à luta pelo poder.
PF: Há poder popular no Chile? Onde está?
VT: (…) a classe operária tem logrado uma grande força de massa, organização e consciência que se expressa em novas organizações do proletariado. Estas são os Cordões Industriais, os Comandos Comunais, etc., surgem em todas as partes como germens de um poder popular paralelo ao Estado burguês. No presente os Comandos Comunais de Trabalhadores só constituem organismos de coordenação e impulso das lutas do povo. Mas são capazes, nos momentos mais agudos dos enfrentamentos, de assumir tarefas concretas de poder popular e substituir os velhos organismos burocráticos do poder estatal.
Um exemplo recente é o caso de Constituición, onde o Comando Comunal de Trabalhadores manteve baixo seu controle a cidade, governando-a sem problemas, em uma clara demonstração de poder popular.
A respeito de onde esta o poder popular, é seguro que não se encontra nem no Parlamento, nem nos gabinetes de nenhum burocrata. O poder popular, é para nós o que nasce nas fábricas, no campo; o poder popular esta nos Comandos Comunais de Trabalhadores. Este é o poder que temem os patrões, porque sabem que unifica ao povo e quando se propaga os varre da face da terra.
Hoje no Chile existem somente embriões de poder popular, que tomam cada vez mais tarefas próprias da burocracia estatal. Junto a estas organizações embrionárias, e como garantia de seu amadurecimento, esta a consciência da classe operária de que só sua ação combativa gera mais poder e mais força.
Esta consciência é o ponto de partida para ela se desenvolva, se amplie e seja capaz de ir enfrentando progressivamente o Estado capitalista. Assim será capaz de impulsionar as tarefas que conduzam a criar uma crise revolucionária, onde se planeje o assalto ao poder total.
O poder popular não se cria por gosto de nada. Nasce e se fortalece ao calor da luta. Pelo controle operário da pequena e média indústria, pela direção operária nas empresas da área social, pelo controle popular do abastecimento para responder ao mercado negro da burguesia, pela formação de comitês de autodefesa para fazer frente à sedição fascista. Se cria incorporando todos os organismos de base aos Comandos Comunais de Trabalhadores, sejam estes comandos de Abastecimento, JAP, Cordões Industriais, etc. (…)
PF: Qual é o balanço do MIR sobre o desenvolvimento e crescimento dos CCT e que opinião tem sobre o papel que joga os Cordões Industriais como organismos de poder popular?
VT: A juízo do MIR, os Cordões Industriais têm uma debilidade como órgão de poder popular. Agrupam somente um setor dos trabalhadores e se limitam a cumprir um papel que muito bem pode corresponder a uma CUT provincial ou departamental, se sua direção não estiver controlada por reformistas ou democrata cristãos.
Por exemplo, assessorar e coordenar as lutas dos operários industriais de um setor, mas sem fazer participar as demais camadas do povo, como os camponeses, sem teto e moradores da periferia, estudantes.
Não negamos sua importância nas ofensivas dos patrões, ao desmascarar o reformismo quando este queria devolver industrias, e tem sido o MIR o mais ativo dentro dos Cordões Industriais.
Mas não devemos cair no que os patrões sempre vem buscando, na divisão dos trabalhadores, para derrotar-los da melhor forma.
Nós buscamos transformar os Cordões Industriais em verdadeiros organismos de poder da classe operária, onde participem ao lado dos trabalhadores industriais, os camponeses, moradores da periferia e sem teto, estudantes, etc., com suas respectivas organizações de massas e com uma plataforma comum. Este papel só cabe e pode se feito no Comando Comunal de Trabalhadores formado pela base. (…)
PF: Que razões justificam no Chile a existência de um poder popular, se há um governo onde participam os partidos da classe operária?
VT:Primeiro, porque são setores reformistas os que têm a força nos partidos operários, e deixam a revolução refém de suas vacilações e insuficiências programáticas.
Há questões do programa da UP que não vem sendo cumpridas, e outras que sensivelmente não aparecem. Por isso nós pensamos que o Programa do Povo expressa muito melhor as aspirações dos trabalhadores para este período.
Uma segunda razão é o problema de acumular forças. Um período pré-revolucionário implica uma forma particular de somar forças, através da unidade de todas as camadas do povo, agrupadas em torno dos operários em organismos de poder popular. Estes irão forjando uma aliança de classe maciça ao largo dos enfrentamentos sociais, e desde ai modificando a situação a uma situação revolucionária que permita para a classe operária tomar o poder.
A luta pelo poder para os reformistas que dominam os partidos operários, esta postergada, e a tarefa mais importante para eles, como disse Luis Corvalán (secretario geral do PC naqueles tempos. N. de HyS), é ganhar as eleições em 1976. Por isso só lhes interessa democratizar o aparato estatal e dar-lhe certo grau de participação para a classe operária e o povo.
De maneira que por razões de programa, como por tarefas de acumulação de forças, se faz necessário o poder popular independente do governo e alternativo ao Estado burguês. É o próprio reformismo operário o que obriga a levantar políticas revolucionárias que desenvolvam a força das massas.
[1] “Capitalismo de Estado, una etapa del proceso” JVH, Revista Punto Final nº147. 21 de dezembro de 1971.
[2] “Reflexiones sobre el desarrollo industrial exportador chileno”, em Reflexiones Socialistas sobre Chile. Ed. La Liebre Ilustrada. Chile 1996.
Tradução: Daniel A.
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